"There is a kind of lazy pleasure in useless and out-of-the-way erudition" - JLBorges Arte,história,ciência e cultura em pequenos rectângulos perfurados
Em 2010 os serviços postais britânicos prestam tributo a 10 grandes álbuns lançados nas décadas de 70, 80 e 90.
Este é apenas um pretexto para a sua revisita ou, num ou outro, a sua redescoberta. Serão apresentados por ordem cronológica e não de importância ou gosto pessoal. É um regresso ao passado, mas sem saudosismo, pois o seu conteúdo continua a ser ouvido por novas gerações de ouvintes. Algumas das bandas mantem-se em actividade e com surpreendente vitalidade.
O álbum "Let It Bleed" é o oitavo trabalho de estúdio da banda britânica The Rolling Stones. Lançado em novembro de 1969, é reconhecido por muitos com um dos seus melhores trabalhos onde a banda regressa à matriz fundacional da música popular, e ao seu próprio ADN, o Blues, na sua versão primitiva, que se combina com elementos sonoros do "Country" e da "Folk" mergulhando a fundo na tradição popular da América do Norte. A última faixa acrescenta outro dos elementos dessa tradição, o Gospel .
Em "Let It Bleed" percebe-se um despojamento e uma força lírica que aliadas à irreverência e crueza do Rock o tornam único e intemporal.
O álbum reflete a tensão social e cultural da época, lançado no final da década de sessenta marcada por eventos traumáticos como a Guerra do Vietname, os protestos pelos direitos civis e o assassinato de Robert Kennedy e Martin Luther King Jr.
As letras abordam temas de amor, caos, violência e hedonismo, e condensam o fim da utopia dos anos 60.O sonho de Woodstock, o "Peace and Love", rapidamente dá lugar ao delírio assassino de Manson e a alienação do vício. Também dentro da banda os tempos eram conturbados. A saída forçada de Brian Jones, membro fundador da banda, motivada pelo consumo excessivo de estupefacientes e a sua morte alguns meses depois, em julho 1969, foi um duro golpe para os restantes elementos do grupo
As faixas do álbum capturam essa atmosfera sombria, que evoca um sentimento de medo e angústia existencial. "Gimme Shelter" e "Midnight Rambler", por exemplo, falam de violência e alienação, oferecendo um retrato cru e direto das inquietações da época.
No alinhamento, a primeira audição não vislumbra uma coerência formal ou conceptual, contrariamente aos trabalhos de outras bandas da época como os Floyd ou mesmo os Beatles. Mas uma audição mais atenta desvenda uma viagem emocional e sonora aos ambientes sombrios dos bares (Honky tonks) do sudoeste, onde o Country era rei (" Country Honk") atravessa o delta do Mississipi, mergulhado nas raízes Afro-americanas dos Juke Joints (convoca Robert Johnson na cover "Love in vain" - ouvir em baixo o original) e nos textos evangélicos do Gospel (" you can`t always get what you want").É também uma "viagem ao fim da noite" ao desespero e caos dos subúrbios das grandes cidades ("Live with me") ,a visão turva e terrível dos espectros que a povoam ("Midnight rambler") pontuada pelas notas ásperas e envolventes da guitarra de Richard e a torrente húmida do saxofone nos nos remete para os noturnos "Jazz clubs" de Boston e Chicago . Há um aroma a filme "noir" , na sua atmosfera viciada e decadente ("Let it Bleed" e "Monkey man").
Martin Scorsese recorreu a esse aroma como recurso sonoro em várias cenas emblemáticas das suas obras maiores. De "GoodFelas" a "Casino" e passando pelo "Departed" a pontuação musical aporta ao discurso fílmico esse sabor a tragédia e dissolução.
Robert Johnson foi um renomado "bluesman" do século XX, conhecido por suas letras profundas e melodia envolvente. Sua influência na música foi tão marcante que até mesmo os Rolling Stones reconheceram a sua influência, reverenciando-o como uma das grandes inspirações.
Mick Jagger e Keith Richards, em especial, demonstraram uma admiração profunda pelo legado deixado por Johnson, incorporando elementos de sua música em diversos sucessos da banda, incluindo a reinterpretação de um dos seus temas emblemáticos - "Love in vain"
A ligação" entre o bluesman e os Rolling Stones é uma homenagem à história e à essência da música norte-americana.
"Let It Bleed" é frequentemente considerado parte do quarteto de obras-primas dos Stones, junto com "Beggars Banquet", "Sticky Fingers" e "Exile on Main St.".
O álbum é uma obra-prima que equilibra perfeitamente a musicalidade crua dos Stones com uma produção sofisticada. Sua capacidade de capturar o zeitgeist do final dos anos 60, combinando hedonismo com um senso de pavor iminente, é notável.
O álbum permanece como um testemunho poderoso e duradouro da habilidade dos Rolling Stones em transformar o caos e a turbulência em arte transcendente. Seu impacto e relevância continuam a ressoar mais de cinco décadas após seu lançamento.
O "Led Zeppelin IV", lançado em 1971, é um marco na história do rock. Com músicas icónicas como "Stairway to Heaven" e "Black Dog", o álbum consolidou a influência e o talento da banda britânica. Com a mistura única de blues, rock e folk, "Led Zeppelin IV" conquistou críticos e fãs de todo o mundo, tornando-se um clássico da música popular.
Com letras profundas e arranjos inovadores, o álbum representa o auge criativo da banda Led Zeppelin. Cada faixa é uma jornada musical única, com destaque para o virtuosismo de Jimmy Page, a voz marcante de Robert Plant a que se soma a exuberância rítmica de John Bonham e o génio eclético e multifacetado de John Paul Jones.
O álbum está envolvido por uma aura de misticismo e mistério. Da concepção da capa, ao alinhamento dos temas e letras a invocar diferentes interpretações tudo isto acompanhado por uma complexidade harmónica e melódica ninguém diria que este seria um estrondoso sucesso comercial.
Por vontade expressa da banda,o álbum não tem título, sendo, por isso, genericamente nomeado por "Led Zeppelin IV", aludindo ao facto de se tratar da quarta compilação de originais da banda. Na parte da frente surge uma pintura a óleo (do séc XIX, segundo consta comprado por Plant num antiquário) representando um velho, curvado e andrajoso, carregando um feixe de lenha. Esta tela está colocada numa parede decrépita de um casebre em ruínas, e ao fundo uma moderna torre de apartamentos. Muita especulação foi construída ao redor desta enigmática composição gráfica como é patente nos vídeos que abaixo deixo e que são "deliciosos"
Os quatro símbolos
Os símbolos associados aos membros do Led Zeppelin, surgem pela primeira vez no álbum Led Zeppelin IV. A sua significância simbólica acrescenta-se à aura de misticismo e fantasia a que não é alheia a inspiração de Tolkien e da estética do movimento artístico Pré-Rafaelita. São também a afirmação da individualidade de cada um dos elementos sintetizando o seu papel e o contexto de cada um dentro da banda. No álbum aparece ainda um quinto símbolo gráfico que representa Sandy Denny, ex vocalista da banda Folk Fairport Convention, e que tem participação vocal em dueto com Plant no tema "Battle of Evermore"
Robert Plant
O símbolo de Plant é uma pena dentro de um círculo. Representa a pena de Ma'at, a deusa egípcia da verdade, justiça, harmonia e equilíbrio. Plant afirma que seu símbolo foi inspirado na civilização Mu, supostamente existente há 15.000 anos num continente perdido no Oceano Pacífico.
Jimmy Page
O símbolo de Page, conhecido como "Zoso", é o mais misterioso. Sua origem e significado exatos permanecem desconhecidos,Page nunca revelou publicamente seu significado. Algumas teorias sugerem conexões com astrologia ou o ocultismo pelo qual Page era um apaixonado
John Paul Jones
Jones escolheu seu símbolo do livro "Book of Signs" de Rudolf Koch. Consiste em três ovais entrelaçadas com um círculo sobre eles, representando um indivíduo confiante e competente.
John Bonham
O símbolo de Bonham, também do "Book of Signs" de Koch, são três anéis entrelaçados. Representa a trindade sagrada de mãe, pai e filho, refletindo sua própria estrutura familiar. Curiosamente, também se assemelha ao símbolo invertido da cerveja Ballantine, ou a uma bateria vista de cima.
Estes símbolos tornaram-se parte integrante da identidade visual e mística do Led Zeppelin, e foram utilizados na personalização dos equipamentos de palco e mesmo nos projetos solo posteriores dos membros da banda.
A exploração dos temas musicais presentes no álbum Led Zeppelin IV, transporta-nos para uma jornada repleta de influências do blues, folk e rock. Cada faixa reflete a genialidade criativa da banda e seu impacto marcante na história do rock'n'roll. Seria fastidioso neste espaço elencar os detalhes e relevâncias de cada tema, no entanto o icónico e incontornável "Stairway to heaven", só por si, seria motivo para uma longa dissertação. O alinhamento embora à primeira vista pareça muito coerente, convoca-nos para a audição recorrente tentado descobrir pontes acústicas ou elementos líricos ou melódicos que se interconectem, permitindo assim uma maior fruição desta maravilhosa peça de Rock. Comprometi-me à tarefa árdua de eleger aquele tema que no meu entendimento melhor define a banda, no seu virtuosismo e estética. É uma opinião muito pessoal, e que eu próprio contradigo pois os diferentes temas valem por si próprios e revelam aspectos particulares da complexidade da banda